A RESPEITO DO COMUNICADO DO 28-J

Julho 16, 2021 | Em destaque

O Dia do Orgulho LGBT a nossa Organizaçom publicou um comunicado que gerou várias críticas. Em particular, ao nosso rechaço à aprovaçom do anteprojeto de “Lei Trans”, mas também à denúncia que fazemos do modelo de vida que o Capital trabalha para impor à juventude. Desde BRIGA queremos clarificar e expor as nossas análises sobre estes temas, e evitar assim que alguém fique com explicaçons a meias. E fazemo-lo para aquelas com quem coincidimos nas ruas a diário. Porque a nossa é umha organizaçom revolucionária, cujo motor é a juventude da classe trabalhadora; se esta nom compreende os nossos posicionamentos o nosso dever é expo-los e explicá-los transparentemente e debater ou mesmo reconsiderar o que seja necessário.

Mas para começar, queremos trasladar umha pequena reflexom sobre os acontecimentos dos últimos anos. Desde algo antes de que o rascunho desta lei se apresentasse, as tendências pós-modernas dentro dos movimentos sociais, em especial no feminismo e a luita LGBT, experimentaram um crescimento exponencial. Já quando a lei começa a caminhar, muitas pessoas exponhem as suas críticas, considerando-a fortemente influenciada polas teorias queer, e também polas consequências que trazeria para as mulheres e para as pessoas trans. Em paralelo, estas críticas fôrom cada vez menos toleradas por quem nom as partilhava. Chegamos a um ponto em que se tornou francamente difícil colocar dúvidas sobre este processo sem sermos imediatamente assinaladas e tachadas de tránsfóbicas. Mesmo sendo alvo de perseguiçom pessoal.

Vemos e entendemos que existe um setor do feminismo que, desde umha análise biologicista e monolítica, exclui sistematicamente as pessoas trans. Em 17 anos de atividade orgánica, BRIGA nunca partilhou essa posiçom

Por isso, achamos muito irresponsável afirmar que todas as pessoas que criticamos a Lei que nos ocupa ou as teorias que a inspiram, sejamos automaticamente fascistas e anunciadas como inimigas das pessoas trans, tal como está a ocorrer. Fechar o cerco desta maneira cria o caldo de cultivo idóneo para que muitas companheiras que mantenhem dúvidas com as posiçons queer tenham verdadeiro medo de expor as suas conclusons. Mas nom emiti-las publicamente nom as fai desaparecer, ao contrário, longe de achegarmos posiçons, o debate cada vez se fai mais agressivo e polarizado.

            Existem várias medidas recolhidas no anteprojeto de lei que achamos necessárias e celebramos, como a proibiçom de intervençons cirúrgicas em bebês intersexuais com fins distintos aos de exclusivamente salvaguardar a sua saúde, umha prática cruel e sexista que se vinha realizando de maneira contínua; o abandono das limitaçons para o acesso a adopçons e técnicas de reproduçom assistida das pessoas LGBT ou o fomento do emprego e a nom discriminaçom das pessoas trans (ainda que nom se estabelecem medidas concretas)

Mas também existem medidas que, embora afirmem estar a defender direitos humanos, achamos que caminham no sentido contrário. Por isso, pretendemos agora expor alguns motivos polos que renunciamos a apoiar a “Lei Trans” e reivindicamos um novo marco jurídico. Em primeiro lugar, evidenciam-se os aspetos mais técnicos. Nom existe nengumha lei neste estado que permita especificamente a fraude. E nom estamos a reproduzir o argumento da direita que se opuxo no seu momento ao matrimónio homossexual, por exemplo, alertando de possíveis unions fictícias. O matrimónio, do tipo que for, nunca fixo parte das prioridades da esquerda independentista. Mas as unions fictícias estám tipificadas e penadas, para proteger, por exemplo, possíveis casos como o tráfico de seres humanos. Se existe possibilidade de fraude, que poda danar outros direitos conseguidos, os legisladores preveem critérios para detetar a veracidade das afirmaçons. Algo que a Lei Trans por si própria invalida.

A importáncia disto nom fica só numha questom administrativa, pois tem um transfundo ideológico de grande calado. A mudança de sexo registral realizará-se cobrindo um formulário e ratificando-o após um máximo de três meses. Nom se permite pedir nengum outro requisito, independentemente das circunstáncias ou situaçom de risco da pessoa, apartir dos 16 anos. Achar que um processo de transiçom, tendo em conta o percurso do género no desenvolvimento e engrenagem das sociedades e dos seres humanos em particular, seja algo que se pode gerir desta maneira é iluso. As pessoas trans já passam por um processo longo, amiúde cheio de sofrimento, questionando-se constantemente o seu género até ter umha resposta certa. A pegada que todo isto deixa é suficiente aval como para que as profissionais nom demorem em detetá-lo, se a sua praxe nom se rege por princípios discriminatórios. Entom, para quem está feita esta medida? Que nom se solicite nengum requisito excecional, nem sequer quando falamos de pessoas condenadas por crimes sexuais, é algo desnecessário para as pessoas trans, mas beneficioso para quem quixer aproveitar-se deste vazio. Nom fazer nada por evitá-lo, só por motivos ideológicos dos e das promotoras da lei, é umha irresponsabilidade com as mais vulneráveis, sobretodo se se tenhem em conta as possíveis consequências.

Neste ponto temos que falar da mencionadíssima disforia de género, um conceito que tem sido utilizado para distintos fins, mas poucas vezes tratada com rigor. Todas conhecemos a consideraçom que a transexualidade tinha nos manuais de psicologia e de medicina. Tem sido categorizada de doença, ou de transtorno no melhor dos casos, até que o feminismo e o movimento LGBT conseguírom despatologizá-la fai mui poucos anos. Entom, que sentido fai que se mantenha a disforia de género? O que este indicador mede é o grau de sofrimento que experimenta umha pessoa com respeito ao seu sexo e/ou género. Para umha pessoa adulta e saudável, pode parecer um mero trámite sem importáncia. Mas converte-se num sesgo fundamental quando se trata de crianças e jovens, sobretodo nenas; e ante isto nom podemos ficar com os olhos fechados. A força com que bate a realidade do patriarcado durante a adolescência dumha jovem permite-nos compreender as altíssimas percentagens registadas nos últimos anos de rapaças que mostram vontade de mudar o seu género com respeito aos seus companheiros. E semelha mui complicado distinguir se esse rechaço se deve a ser umha pessoa trans ou se está a sofrer e rebelar-se contra a violência que exerce o patriarcado contra as mulheres, sobretodo nessa etapa da vida. Se isto nom tivesse maior implicaçom do que vivências de adolescência, nom estaríamos a falá-lo. Mas é que a nova lei permitirá que qualquer menor que assim o solicitar poda mudar o seu género registral e apartir dos 16 anos aceder a medicaçom hormonal e cirurgia. E como assinalamos anteriormente, o cóctel é explosivo. Despatologizar nom significa apagar o facto trans, nem reduzí-lo a um formulário. O facto trans existe, por isso historicamente se exigiu legislaçom específica, que o dignifique e o cuide, nom que o institucionalize.

Nom nos consideramos em possessom da razom absoluta, mas estudamos e analisamos o que nos arrodeia, pois é o nosso dever. E por isso encontramos que esta lei nom servirá, pois é sexista na sua formulaçom, regressiva e sobretodo deve ser submetida ao escrutínio que desde um início se negou. Nom seria lesiva só para as mulheres, também para as pessoas transexuais, que vem como a sua condiçom é apagada e o seu sofrimento diluído. É um ataque à memória histórica do combate ao Patriarcado em todas as suas formas. Detrás da redaçom do anteprojeto, Unidas Podemos e a sua covardia congénita, e os desejos de alguns grupúsculos que afirmam sem rubor que o género e o sexo já nom existem, ou que é umha posiçom social que cada quem escolhe e customiza, ou um simples e antiquado elemento cultural. Portanto nunca referimos que as pessoas trans sejam as que estám a introduzir demandas contrárias aos nossos objetivos coletivos. Quem as desenha é um pequeno setor da populaçom que ideologicamente, mas também no plano material, se encontra mui afastado da realidade das camadas populares.

Afirmamos sem ambagens que o que nos guia é a defesa dos interesses das pessoas trans, e do conjunto da classe operária. E aclaramos a quem considerar o contrário: as pessoas trans nunca vam ter interesses antagónicos com os da classe trabalhadora, porque fazem parte dela. Podemos coincidir ou nom, como em qualquer outra questom, nas análises de como fazer efetivos estes direitos, mas fica fora de toda dúvida que o que nos move é a vontade genuína de avançar da melhor maneira. Como dixemos ao início, mesclar a nossa aposta com a dos grupos que se posicionam excluindo ou discriminando as pessoas trans é umha fiçom que nom beneficia a ninguém. A diferença fundamental, apesar de ambos discordar com a aprovaçom da lei e a reproduçom das teses pós-modernas, nom é só discursiva; basea-se na exclusom ou inclusom de sujeitos. Mentres umhas som contra a lei por tratar especificamente das pessoas trans, nós somos contrárias por precisamente nom representá-las, e por isso mesmo achar que este anteprojeto nom blinda direitos, mas tira-os abaixo.

Devéramos perguntar-nos se opor-se a umha lei, ou a umha postura política, é umha fobia. Se existe espaço para a análise e crítica política, respeitosa e desde a honesta preocupaçom polo decorrer das nossas luitas. Ou simplesmente se impuxo o pensamento único, e com ele o “comigo ou sem mim”. Quando nos opuxemos a algumhas das leis contra a violência de género, éramos misóginas? A mesma pergunta poderíamos fazer quando criticamos a lei do aborto, a do matrimónio homossexual, etc. Sempre formulamos a nossa alternativa, que é o que tentamos fazer agora. Durante as diversas ondas de expansom do pensamento pós-moderno, que se sucedêrom no Mundo ocidental nestas últimas décadas, a tarefa das marxistas foi a de detetá-las e criticá-las. É lógico, o que nos é próprio. Mas se como marxistas analisamos um determinado processo, e achamos que a sua deriva é contrária aos nossos interesses de classe em geral, e aos interesses das pessoas LGBT em particular, poderíamos adoptar outra via do que a denúncia pública? Conhecemos a realidade que nos arrodeia e também os discursos de ódio que dia após dia maltratam as pessoas LGBT, é por isso que tentamos esclarecer a nossa alternativa o melhor possível. Mas a polarizaçom e o veto nom som o remédio; som parte do problema. Dificilmente se pode encetar um debate sobre se umha lei qualquer é útil ou nom quando já de início só umha das opçons vai ser validada, e o resto perseguidas.

Nom podemos aqui fazer umha longa explicaçom do que som as teorias queer e que nos diferencia delas. Seria inabarcável e achamos mais adequado deixá-lo para outro momento. Mas quando falamos da inspiraçom ideológica que nutre estas leis referimo-nos precisamente a isto. É a base teórica que permite assumir o género desde um paradigma diferente, comrpeendendo-o como um crisol de possibilidades em lugar da expressom máxima do Patriarcado. O feminismo demonstrou que era algo a impugnar e o marxismo enquadrou-no no Mundo do Trabalho como a divisom social mais ancestral que existe. As teorias idealistas elevaro-no à quinta essência humana e portanto mantê-lo e garanti-lo som umha necessidade de primeira categoria. Durante o auge do feminismo na última década, pretendeu-se que ser mulher deixasse de ter carga negativa para se converter em algo a celebrar. Neste contexto, as empresas e governos que nunca se somariam a um movimento que marcha contra os seus interesses sim que podiam já aplaudir e utilizar o “girl power”. Porém, o feminismo de classe soubo criticar e desputar a hegemonia a este discurso. Por que agora no movimento LGBT isto tem o sentido contrário?

Era isto o que criticávamos nas referências feitas ao modo de vida volúvel e ostentoso que o Capital tenta impor. Falamos de que existe umha ofensiva preparada para que homossexuais, bissexuais e transexuais abandonem paulatinamente as luitas pola sua emancipaçom e foquem os seus esforços em atividades inócuas para o poder económico. E isto nom é umha conspiranoia; é umha constante histórica. Cada vez que um movimento popular eclosiona, e pom em perigo os projetos da classe dominante, esta lança umha campanha para desativá-lo. Temos exemplos disto em múltiplos momentos e lugares do mundo; os movimentos contestatários de finais de 60 nos EUA, a juventude basca nos anos 80, o movimento negro desde a década de 50, as luitas de libertaçom nacional em América Latina, etc. Também no nosso País as luitas obreiras de 70. E mais recentemente, o feminismo que explodiu com força em todo o mundo.

Todos eles fôrom alvo de ofensivas por parte dos poderes fácticos, que experiência trás experiência optimizam a sua maneira de vaziar luitas, conseguindo em alguns casos substituir a nossa agenda pola sua. Nom nos pode surpreender, pois é o que necessitam para sobreviver. Umha tática habitual tem sido a de oferecer-nos um produto, coma nós mas melhorado, que esperte fílias e idolatrias, mas que só podamos tentar imitar nos modos; ainda que trás a apariência nos separe um oceano. O velho fenómeno das classes baixas aspirando a emular à burguesia. O éxito e a perdurabilidade destas campanhas dependem da nossa capacidade de detetá-las e fazer triunfar a nossa alternativa de classe. E o dever das revolucionárias é esse mesmo, combatê-los e disputar-lhes a hegemonia. Fazemos isto o Dia da Mulher Trabalhadora, o do Internacionalismo Proletário, o Dia da Classe Operária Galega… Denunciamos a mercantilizaçom à que querem que sucumbamos, e isto nom implica criticar os sujeitos destas luitas. Muito ao contrário, implica trabalhar para defender-nos juntas dos ataques dos que som vítimas, e enunciar a nossa alternativa. Nom fazê-lo também no Dia do Orgulho suporia no melhor dos casos umha negligência; no pior, um ato de covardia e hipocrisia que só é próprio de quem vê nos movimentos sociais algo mais rentável do que a emancipaçom coletiva.

Defender um outro modelo de vida, defender que este projeto de lei é um timo, defender-nos dos ataques do Capital, nom é transfobia. Em primeiro lugar, porque é faltar à verdade; em segundo lugar, porque deixa ao fascismo numha situaçom mui confortável desde a que seguir a transmitir os seus discursos de ódio e discriminaçom, que som os que criam o hábitat ideal para o submetimento das pessoas LGBT.

Vivemos um momento histórico em que nom avançamos em direitos reais. A situaçom organizativa e política da esquerda do nosso País está em claro declive. Mostra disso é que o grosso dos debates se centre em torno desta lei, e nom sobre como organizar a resposta à minoria que sobreviveu este ano e meio graças a duplicar a nossa exploraçom. Por isso consideramos que devemos mudar o rumo da nossa açom política, e achegamos o nosso grauzinho de areia. Nós seguiremos denunciando todas as iniciativas que consideremos lesivas para os sujeitos aos que vam dirigidas, e pulando por ofertar umha alternativa realmente emancipadora. E isto nom é sancionável, é avaliável.

Por último, só podemos abrir as portas ao debate, e fechá-las às verdades monolíticas e impermeáveis. Umha das mais importantes ensinanças do marxismo, que perdura até os dias de hoje, é que todo é analisável. E deve sê-lo, as conclussons alheias e sobretodo as próprias. Porque a ingente tarefa que nos une, a derrota do Capital, requer que optimicemos as nossas habilidades e recursos. Vamos pois!