A face patriarcal da estratégia neoliberal do Partido Popular

Março 12, 2014 | Em destaque, Feminismo e Antipatriarcado, Notícias

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Disponibilizamos artigo de Helena Sabel, membra da Mesa Nacional de BRIGA e Responsável Nacional da Mulher:

Fazer um balanço destes dous anos de legislatura do Partido Popular serve para constatar como o reforço dos pilares que sustentam o capitalismo é fundamental para paliar os efeitos da crise sistémica e assegurar o mantimento do sistema. O patriarcado, como estrutura em que se cimenta o atual sistema de produçom, foi um dos elementos óbvios em que centrar os seus esforços, junto com o aumento da exploraçom da classe trabalhadora no seu conjunto e o pioramento das suas condiçons de vida.

Nom podemos analisar aqui cada umha das reformas legislativas impulsadas polo governo espanhol desde a implosom “oficial” da crise sistémica. Porém, sim queremos reflexionar sobre como parelha à estratégia neoliberal de desmantelamento da rede pública de serviços sociais, se fomenta que sejamos as mulheres da classe trabalhadora as que assumamos estas responsabilidades gratuitamente.

Guerra aberta contra as mulheres

Nunca sairia de nós umha defesa do feminismo institucional, essa perigosa ferramenta do sistema que com os seus apelos à “igualdade” e “paridade” distorcem os discursos feministas, ocultam de maneira consciente a raiz do problema –pois ante todo devem proteger-se os alicerces sobre os quais se cimenta a exploraçom capitalista–, e transmitem a mensagem de que as práticas reformistas e institucionais som as mais adequadas e eficazes, condenando, assim, a luita feminista radical e combativa. Porém, as primeiras estruturas governamentais a que a legislatura do PP reduziu em orçamentos e autonomia fôrom a Secretária de Estado de Igualdade e o Instituto da Mulher.

Do mesmo jeito, as partidas orçamentárias dedicadas a “políticas de igualdade” (que principalmente estavam focadas em programas de formaçom que, em teoria, fomentam o trabalho assalariado feminino) e aquelas destinadas à erradicaçom da “violência de género” fôrom-se reduzindo nestes dous anos de maneira drástica.

Nom pretendemos analisar a funçom que desempenhavam as instituiçons citadas, nem o pouco eficazes que eram umhas medidas reformistas que nem se achegavam a perceber a ponta do icebergue; porém, consideramos que nos servem como a primeira declaraçom de intençons do atual governo, que se permite manifestar abertamente que nem as formas pensa guardar. A sua estratégia neoliberal marca-se como objetivo paliar os efeitos da crise na burguesia a conta da sobreexploraçom da classe trabalhadora, e as mulheres tenhem que desenvolver um rol mui concreto que vam potenciar a toda costa.

Precarizaçom do trabalho assalariado…

Nos seus inícios, o emprego feminino estava caraterizado pola alta precariedade laboral, pois a funçom das mulheres como mera reserva de mao de obra ‒caso da força de trabalho masculina nom estiver disponível‒ era mui evidente, porém, esta precariedade foi umha constante que seguiu definindo o mercado laboral feminino.

Se bem é certo que as diferentes reformas laborais impulsadas polos governos de Zapatero e Rajói, especialmente a de fevereiro de 2012, constituem um brutal ataque ao conjunto da classe trabalhadora, é inegável que a divisom sexual do trabalho fai que estas medidas agridam de maneira diferente homens e mulheres.

Assim, as mudanças legislativas a respeito do emprego a tempo parcial devem ser necessariamente analisadas desde umha perspetiva de género e juvenil, por sermos a mocidade e as mulheres os dous setores que maioritariamente acedemos ao trabalho remunerado através deste tipo de contratos.

Vemos, pois, como desde o governo se fomentam os contratos a tempo parcial, convertendo-os na fórmula mais rentável para ao patronato. Se as mulheres já temos mais empecilhos à hora de conseguir um emprego, que este tenha contrato, que seja estável, que o salário nom seja inferior ao dos nossos companheiros, agora pioram ainda mais as nossas condiçons laborais, mercantilizando de maneira mais livre a nossa força de trabalho. A permanência num posto de trabalho e umha prestaçom digna quando nom o tenhamos som a dia de hoje meras utopias.

O trabalho reprodutivo segue sendo um labor mui maioritariamente feminino, daí que a necessidade de compaginar as duplas e triplas jornadas laborais “feminize” o trabalho a tempo parcial, mas também o temporal: o assédio laboral segue a ser umha constante na vida laboral das mulheres que som maes, sendo chantajadas ou despedidas quando tentam acolher-se a esses direitos que apelam à conciliaçom da vida laboral e familiar com que tanto se enchem a boca quando falam de “políticas de igualdade”.

Assim, muitas mulheres som forçadas ou veem-se na obriga de abandonar o trabalho assalariado para poder centrar-se no trabalho gratuito que desenvolvem no lar.

E fomento do trabalho invisibilizado

Os cortes na sanidade pública, à que vam privatizando passo a passo, junto com a reduçom económica e supressom de direitos básicos das cuidadoras/es e outros cortes presentes na última reforma da Lei de Dependência, que aposta pola privatizaçom e o copago deste serviço básico, tenhem como objetivo obrigar a que seja a mulher a que assuma de maneira gratuita todo o trabalho invisibilizado por volta dos “cuidados” das/os seus familiares.

Outra das medidas que podemos incluir dentro desta tática do governo é a ampliaçom até 12 anos do período em que umha mae ou um pai pode solicitar a reduçom da jornada laboral para cuidar das crianças. Este ponto leva-nos de volta à necessidade do sistema de que, se a mulher tiver um emprego, este só seja a tempo parcial, para que assim poida cobrir todas as necessidades básicas que doutra maneira teria que assumir o Estado.

Legitimaçom da violência machista

Com a finalidade de que passasse desapercebida, o governo do PP fijo umha modificaçom encoberta da Lei Integral Contra a Violência de Género, vigente desde 2004, através da polémica reforma do Código Penal, umha reforma que concentra tantas aberraçons aos direitos mais básicos, como a legalizaçom da cadeia perpétua ou a perseguiçom ao ativismo de este “convidar à desordem pública”, fai que os ataques que afetam diretamente as mulheres, as eternas invisibilizadas, sejam os menos difundidos.

Sabemos que a família burguesa é umha instituiçom potencialmente perigosa para a integridade física e psíquica da mulher. Analisando a violência machista como um elemento estruturante da sociedade e reconhecendo a sua funçom como mecanismo de controlo social, sabemos que esta impregna o dia a dia de tod@s nós; porém, os dados demonstram que no seio familiar é onde tenhem lugar com mais freqüência os atos mais violentos contra as mulheres. Como vinhemos afirmando, parte da tática patriarcal do PP reside na condena da mulher à casa, daí que esta reforma do Código Penal legitime a utilizaçom da violência para controlar as mulheres no seu lar.

Por umha parte, esta reforma contempla a mediaçom como alternativa à pena. Um humilhante sem-sentido que joga com a ideia de que o maltratador é um homem “normal”, um pai de família, que de maneira pontual espancou na companheira, mas que este “pequeno” conflito pode solucionar-se através dum processo de (re)conciliaçom supervisado, polo que nom só se indulta ao agressor, senom que se obriga a vítima a tratar com ele como se estivessem em igualdade de condiçons: todo um despropósito que oculta e degrada a verdadeira dimensom da violência machista, com o fim de preservar o modelo de família nuclear heterossexual, que veem perigar.

Evidentemente, caso de esse “núcleo familiar” se dissolver, também é do seu interesse que o homem nom perda ainda mais privilégios dos que a família lhe oferecia, polo que o incumprimento das responsabilidades familiares deixa de ser delito, passando a julgar-se pola via civil, que devido à sua lentidom e custo provocará que muitas mulheres e crianças numha situaçom económica precária se vejam gravemente afetadas (e se ademais está medida cumpre desde o início umha funçom dissuasória entre aquelas mulheres dependentes economicamente para que sigam atadas, melhor).

A despenalizaçom do agressor é um ponto chave desta lei, daí que, além da mediaçom, também se contemple a multa como umha pena mais do que ajeitada para quem maltrata. Para suavizar as penas, alguns dos fatores desencadeantes mais recorrentes aos que apela o agressor, como o consumo de álcool e drogas, passam a ser atenuantes; do mesmo jeito, a entrega voluntária depois de cometer o assassinato, também será valorada positivamente (!). Nom seria de estranhar que proximamente volvam a potenciar as etiquetas de “crime passional” e derivadas, para invisibilizar e despolitizar ainda mais o problema, pois na própria reforma a etiqueta “violência de género” (que tem umha dimensom legislativa própria) nom é a mais habitual, aparecendo por vezes “violência doméstica” ou sintagmas nominais confusos que explicitam a necessidade da existência dumha relaçom “de casal” entre agressor e agredida para que poida considerar-se que merece umha consideraçom jurídica especial.

A fim de contas, espancar, ameaçar ou coagir umha mulher passará a ser apenas um delito leve, como também se reflete na lei.

A todo isto, também teríamos que acrescentar que só a vítima dumha agressom pode tramitar a denúncia, e mesmo os partes de lessons realizados polo pessoal sanitário deixam de ser tramitados diretamente pola via judicial. O fomento da culpabilizaçom das vítimas que o aparato ideológico promove ou o sentimento de medo som alguns dos fatores que determinam que muitas mulheres (e homens) que som agredidas nom cheguem a denunciar nunca o seu agressor; polo que o sistema jurídico garante mais umha vez a impunidade deste.

O golpe final: a reforma da lei do aborto

A reforma da lei do aborto é a guinda perfeita com que adornar esta ofensiva patriarcal.

Recortar os nossos direitos sexuais e reprodutivos tem umha importantíssima carga ideológica que, em contextos como o atual, à classe dominante lhe interessa potenciar. Assim, junto com a retirada do financiamento público dos contracetivos de “terceira geraçom” (os mais utilizados devido à sua composiçom mais avançada) ou a intençom de vetar do serviço público de reproduçom assistida a todas mulheres que nom sejam heterossexuais com casal, acrescenta-se agora a imposiçom legislativa que nos desautoriza para decidirmos sobre os nossos próprios corpos.

Na Galiza, o governo de Feijó já preparara o terreno para este tipo de ataques conscienciosamente. Primeiro aprovou a entrega de orçamentos públicos a Red Madre e outras organizaçons ultraconservadoras para que pudessem gerir centros e difundir material de caráter antiabortista e heterossexista (prévio desmantelamento dos centros Quérote, para garantir que a educaçom afetivo-sexual da mocidade galega tenha umha determinada orientaçom ideológica). Mais tarde,  aprovava-se a Lei de Apoio à Família e à Convivência da Galiza, com a que se pretende legislar a obrigatoriedade da maternidade, a supremacia da família patriarco-burguesa ‒nuclear, monogámica e heterossexual‒, e a condenaçom das mulheres ao trabalho reprodutivo. Para nom alongar mais esta lista de despropósitos, finalizamos citando o perverso Plano Integral de Apoio à Mulher Grávida,  polo qual os fetos computam a determinados efeitos legais como membros da unidade familiar. Seguindo esta linha, e tendo em conta os programas de dinamizaçom demográfica com os quais fomentam a natalidade culpabilizando as mulheres de serem as culpáveis do envelhecimento da Galiza, parece que o seguinte passo lógico é promulgar umha lei que obrigue as mulheres a sermos maes, polo que a reforma da lei do aborto nom desentoa nesta dinámica de agressons. A delirante análise do Ministério de Justiça espanhol afirmando que se esperam benefícios económicos graças ao incremento da natalidade também corrobora o dito.

Ademais, a privatizaçom do nosso direito a decidir encaixa bem com as políticas neoliberais que vínhamos analisando. As jovens da classe trabalhadora seremos as principais prejudicadas, pois simplificando a reforma, tirando-lhe a carga simbólica e despindo-a apenas aos empecilhos que há que “superar” para aceder legalmente a umha interrupçom da gravidez, podemos afirmar que as mulheres em posiçons de precariedade económica serám as que terám que assumir umha maternidade nom desejada, ou submeter-se a processos de interrupçom da gravidez precários que ponham em perigo as suas vidas.

Porém, também nom se pode obviar a carga simbólica desta reforma: informa-se-nos que há quem tem mais poder sobre os nossos corpos que nós mesmas; di-se-nos que somos incapazes de decidirmos e que portanto as nossas decisons tenhem que ser tomadas por outros; delega-se nos nossos úteros a capacidade de sermos sujeitos úteis socialmente; condena-se que tenhamos umha sexualidade que vaia além da finalidade meramente reprodutiva.

Conclusom: as mulheres ao lar

As mulheres nom podemos ser participantes ativas do mundo laboral remunerado sem a discriminaçom por género, pois o sistema capitalista nom se sustenta sem umha divisom sexual do trabalho (nunca o fijo e é inviável que o faga). O sistema necessita que haja quem realize os trabalhos com maior carga de exploraçom (mulheres e trabalhadoras/es de naçons oprimidas), além de que é imprescindível de que a reproduçom da força de trabalho seja realizada de maneira gratuita através de todo o trabalho invisibilizado que se esconde sob a etiqueta de “cuidados”. Assim é que a realidade demonstra que a pobreza tem nome de mulher.

O mantimento da família como instituiçom que garante esta sobreexploraçom das mulheres é um fator chave para entender a ofensiva patriarcal com que nos atacam. O trabalho remunerado cada vez é mais precário para as mulheres, o que potencia a nossa volta ao lar (se alguém tem que estar no desemprego, melhor que sejamos nós). O afamado “Estado de bem-estar” promovia que as mulheres estivéssemos no lar realizando esse trabalho reprodutivo, mas aportando umha pequena ajuda estatal, ao mesmo tempo que favorecia que também tivéssemos a oportunidade de trabalhar fora (a dupla jornada e benéfica para o capital). Porém, agora que as medidas neoliberais fam que o Estado se desentenda dessa mínima ajuda ao trabalho reprodutivo, apostando pola sua privatizaçom e reduzindo de maneira drástica os gastos em proteçom social, necessita-se mais do que nunca que a mulher assuma esse labor: convertemo-la numha pessoa dependente economicamente, controlamo-la através da violência e do medo a ela, condenamo-la à obrigatoriedade desse trabalho, infantilizamo-la, cortamos a sua capacidade de decisom, e conseguimos estabilizar o sistema de produçom temporalmente, suavizando os embates da crise sobre a classe dominante, e agravando ainda mais a exploraçom da maioria social.